Visão do Direito

Aumento do IOF e insegurança jurídica: novo tributo, velhos problemas

"O IOF é, por natureza, um tributo extrafiscal. Sua função não é apenas arrecadatória, mas regulatória"

Ricardo Motta, sócio responsável pela área de relacionamento com o mercado em Viseu Advogados e membro do Comitê de Relações de Consumo do Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional (Ibrac)
 -  (crédito: Divulgaçõa)
Ricardo Motta, sócio responsável pela área de relacionamento com o mercado em Viseu Advogados e membro do Comitê de Relações de Consumo do Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional (Ibrac) - (crédito: Divulgaçõa)

Por Ricardo Motta* — O recente aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), promovido pelos Decretos 12.466/25 e 12.467/25, tem gerado grande preocupação no meio empresarial. Não se trata apenas de uma elevação de alíquotas, mas de uma medida que desafia princípios constitucionais fundamentais à segurança jurídica.

O IOF é, por natureza, um tributo extrafiscal. Sua função não é apenas arrecadatória, mas regulatória. Alterações em sua estrutura exigem motivação legítima e transparente. Quando isso não ocorre, abre-se margem para questionamentos jurídicos, inclusive, quanto à aplicação do princípio da anterioridade.

Entre os pontos de maior impacto para as empresas, alguns merecem atenção especial.

Majoração das alíquotas sobre operações de crédito empresarial

Com o aumento de 100%, a alíquota diária do IOF ou de 0,0041% para 0,0082%, e o adicional de 0,38% para 0,95%. A carga anual agora se aproxima de 4%, afetando diretamente operações como mútuos internos e gestão de caixa entre empresas do mesmo grupo. O impacto na liquidez e na rentabilidade é imediato.

O Decreto 12.466/2025 também inseriu o § 23 no artigo 7º do Regulamento do IOF (Decreto 6.306/2007), considerando como operação de crédito a antecipação de pagamentos a fornecedores, incluindo modalidades como "forfait" e "risco sacado".

Com isso, a Receita Federal exigirá que a instituição financeira cobre e recolha o IOF/Crédito, já com as novas alíquotas, a partir de junho. Nesse cenário, é essencial revisar os contratos firmados com os bancos para entender como a mudança impactará o custo final das operações de "risco sacado", cada vez mais utilizadas como ferramenta de atração e fidelização de fornecedores.

Incertezas nas operações de antecipação de pagamentos a fornecedores

A nova redação do Decreto 6.306/2007 introduziu uma imprecisão preocupante, equiparando operações comerciais comuns, como antecipação de pagamentos a fornecedores (forfait ou risco sacado), às operações de crédito tradicionais. Tal equiparação pode caracterizar violação ao princípio da legalidade, indo contra jurisprudência consolidada no Carf e posição oficial da Receita Federal, que restringe a incidência de IOF apenas às operações com coobrigação explícita.

Impactos nas operações cambiais e investimentos estrangeiros

A majoração do IOF-Câmbio também merece atenção especial. Operações como remessas internacionais, compras com cartões de crédito e débito no exterior e importação de serviços, que tiveram as alíquotas elevadas para até 3,5%, perderam também a previsão de redução progressiva até zero. Essa medida impacta diretamente as transações cotidianas e cria entraves adicionais à atração de investimentos estrangeiros, colocando em dúvida o compromisso brasileiro com as melhores práticas internacionais recomendadas pela OCDE.

Impacto expressivo nas operações de transferência de recursos para o exterior (Outflow)

A nova regulamentação elevou a alíquota de IOF nas transferências de recursos ao exterior de 0,38% para 3,5%, gerando um aumento superior a 800%. A mudança impacta operações, como importação de serviços, repatriação de lucros, reduções de capital e outras movimentações financeiras internacionais. A medida vai na contramão de políticas voltadas à atração de investimentos e adiciona mais custos a um ambiente tributário já excessivamente oneroso.

Desafios inéditos nos seguros e previdência privada

Outra mudança relevante atinge diretamente as operações relacionadas a seguros de vida e previdência privada (VGBL e PGBL), agora sujeitas a uma inédita alíquota de IOF de até 5% para aportes mensais superiores a R$ 50 mil. Isso cria uma complexidade operacional significativa para as seguradoras, obrigadas a monitorar aportes realizados por clientes em diferentes instituições, tarefa difícil e burocraticamente custosa.

Responsabilidade Solidária e Complexidade Operacional no Recolhimento do IOF

Os decretos ampliaram a responsabilidade pelo recolhimento do IOF. Além das seguradoras, am a responder também as entidades abertas de previdência complementar e as instituições financeiras envolvidas na cobrança dos aportes. Quando essas não conseguirem consolidar as informações, o risco fiscal recai sobre o próprio segurado. Isso demanda um nível de governança e integração de dados que muitas empresas ainda não possuem.

Diante desse cenário, é hora de revisar contratos, ajustar fluxos internos e calcular o impacto financeiro das novas alíquotas. Operações sujeitas ao imposto devem ser mapeadas com precisão, e eventuais inconsistências jurídicas, avaliadas com base em fundamentos sólidos para possível contestação. O alinhamento entre jurídico, financeiro e fiscal precisa ser rápido e focado na prevenção de ivos. Com planejamento, é possível mitigar impactos, manter a previsibilidade e evitar surpresas.

Sócio responsável pela área de relacionamento com o mercado em Viseu Advogados e membro do Comitê de Relações de Consumo do Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional (Ibrac)*

 

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Por Opinião
postado em 12/06/2025 03:30
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