
O produtor francês Luc Besson sempre foi o homem a contar dinheiro, aos milhões — e na unidade dos euros. Ao fugir, mesmo involuntariamente, desta constante, Besson surpreende os espectadores, à frente de uma comédia, oca, romântica, divertida, e bem limitada no campo dos investimentos: June e John. "O que me emocionou foi ver se eu ainda seria capaz da mesma ingenuidade, entusiasmo e acuidade de visão depositada nos atores — era só isso que havia”, salientou à publicação Deadline. Filmado na pandemia, a partir apenas de imagens criadas por celulares, o longa se viu impulsionado por história de amor real: Virginie Silla, a produtora (esposa dele) decretou que, à época, escrevesse algo para evitar a morte dele na "gaiola" encerrada pela pandemia.
O ator Luke Stanton Eddy (que fez a fase jovem de Robert De Niro em The Alto Knights — Máfia e poder) se juntou à ex-modelo e praticamente estreante Matilda Price, na realização do filme. Da criatividade descasada de investimento financeiro, Besson ressalta que desde o momento em que os atores vestiram o figurino até o momento em que terminamos de filmar, "pareceu que dois minutos se aram". Descrente das redes sociais e com uma das vidas mais perturbadas no cotidiano avassalador, o personagem John tem o encontro de almas, no vagão de metrô. A cena parece saída, em parte, do novo clássico O brilho eterno de uma mente sem lembranças. Com cabelos coloridos, June parece vir de outra dimensão.
Pouco a pouco, na trama, saem as reclamação empilhadas diante dos sufocos vividos por John, e numa espécie de facho de luz, June dará os encaminhamentos mais inesperados às questões espinhosas de seu cotidiano. Tal qual visto em O profissional (1994), Anna — O perigo tem nome (2019) e Um anjo da guarda (2005), Besson retoma o comando de personagens fortes femininos. Filmado integralmente, em Los Angeles, por meio de smartphones a batalhada produção trouxe retornos às origens e a desafios. Ele tem postura aguerrida ao combater fórmulas em cinema. "Só porque (magnatas dos estúdios de Hollywood) controlam os cordões da bolsa, não significa que entendam tudo. É totalmente falso. Podemos ver que há muitos filmes que não funcionam hoje em dia porque as pessoas estão cansadas de consumir filmes dissolvidos em água morna", pontuou, em entrevista à imprensa internacional.
A intensidade do amor que coloca os protagonistas a voar segue uma batida aos moldes loucos de um Pulp fiction, isso depois do arrombamento de um cofre que deixa o enamorado John numa aventura que se assemelha, em ritmo) do recente Novocaine. Num clima bastante fantasioso, a invasão sucessiva de mansões está nos rumos do inconsequente casal. Já na rota do atarefado diretor de cinema Luc Besson estão, para o próximo mês, nos Estados Unidos, o lançamento de Drácula: A love tale, protagonizado por Caleb Landry Jones e, antes de setembro, ele deve retornar a estúdios parisienses para as filmagens do longa de ficção científica The last man, com Snoop Dogg no elenco.
Crítica // June e John ★★★
Com uma estética que lembra a do longa Barbie, o novo filme de Luc Besson segue o empoderamento que ele sempre deu às personagens femininas, como se viu em títulos como Nikita: criada para matar (1990), Lucy (2014) e Joana D´Arc (1999). O novo registro vem com muita carga cômica. Várias são as garotas que povoam o imaginário do protagonista John (um empático Luke Stanton Eddy) que recebe sistemáticos telefonemas da mãe e planeja alguma mudança mirabolante no anêmico cotidiano. Na base de desesperadora repetição e metido em encrencas pessoais de um perdedor por excelência, John verá uma mudança de destino, num roteiro a cargo de Besson bastante aparentado das maluquices do clássico Depois de horas (1985), de Martin Scorsese.
Trabalhador aplicado de uma instituição financeira, John tem rotina sem um quinhão de vida pessoal, até que brota o encontro com a luminosa June (Matilda Price). Pouco antes, na firma, desponta o ciclo de interesse feminino pelo apelidado "bandidão do terceiro andar". Isso, porque, num relacionamento perturbador, John teria reagido, com violência, à perseguição corriqueira do supervisor de segurança Melvin (Miles Cranford, em personagem altamente irritante). Meticuloso, John vê o mundo escapar das mãos, depois de fulminante primeiro encontro com June, de quem se vê separado por um vidro do metrô. Nada polida, desordeira e chamativa, June ganha uma interpretação estridente da estonteante Matilda Price. Caprichosa e enervante, ela quer fazer valer a conquista de desejos reados para um "gênio da lâmpada" que diz ter encontrado.
O filme romântico de Besson ficou ambientado na pandemia, mas parece renegar isso, depositando toda a emoção nos pequenos ou inconcebíveis gestos do casal. Ok, agem como se não houvesse amanhã... mas descolados do contexto das filmagens em que algumas pessoas ostentam as indefectíveis máscaras. Invadindo casas vazias, John e June vivem como numa redoma que protege a moça de encarar a carga de melancolia que ela mesma cultiva. Mas há muita energia em June, que abraça causas com a mesma disposição com que, durante pausas, interage, inconsciente, aos abraços, com árvores, em busca de energia cósmica.
Em alta voltagem, a dupla do filme avança numa produção com estética moderna e que mergulha fundo na ilusão do amor eterno com direito à cena de liberdade, na estrada, bem ao estilo de Thelma e Louise. Entretanto, o que Besson oferece é um filme básico, bem na média de consumo dos casais. Superando Anora na beleza, a maluquete June assenta uma realidade fantasiosa, movida a dinheiro roubado, que vem embutida numa metáfora bem óbvia. Com um humor leve, em que ecoa o do juvenil John Hughes (Curtindo a vida adoidado), o filme tem uma hilária cena com Claire Montgomery (que vive a dona da mansão). (RD)
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