
As imagens circularam rapidamente. Um jovem com rosto de criança e cabelos caindo sobre os ombros, vestindo calça jeans e camiseta verde, era imobilizado no chão pela polícia.
Era o momento da prisão do principal suspeito do atentado contra Miguel Uribe Turbay, senador da oposição e pré-candidato à Presidência da Colômbia, baleado no último sábado (07/06) em um ato político, em Bogotá. Ele segue internado em estado gravíssimo.
Horas depois, o presidente colombiano Gustavo Petro confirmou as suspeitas: o autor do ataque seria um adolescente de 15 anos. Ele portava uma pistola Glock 9 milímetros, proveniente dos Estados Unidos.
Trata-se de uma arma semiautomática muito utilizada pelas forças de segurança no mundo todo — e que não está ao alcance de qualquer pessoa.
"O governo distrital já havia identificado a situação de conflito do assassino", disse Petro em um post no X, nesta segunda-feira (09/06), revelando que o menor de idade havia abandonado voluntariamente um programa educativo de paz no ado.
O jornal colombiano El Tiempo informou que, ao ser detido, o adolescente disse que a ordem para atentar contra Miguel Uribe veio de "el hombre de la olla", uma referência a um ponto de venda de drogas na capital colombiana.

As autoridades buscam agora os autores intelectuais do crime, executado por meio de uma prática que se expande na Colômbia: o recrutamento de crianças e adolescentes por grupos armados e organizações criminosas para matar.
Segundo a Defensoria colombiana, 409 crianças e adolescentes foram recrutados em 2024, um aumento em relação aos 342 casos registrados em 2023.
As autoridades reconhecem que os números estão subestimados.
Com décadas de conflito armado e crime organizado, milhares de menores de idade têm sido vítimas da violência na Colômbia, sendo recrutados tanto por cartéis de drogas quanto por guerrilhas esquerdistas, grupos paramilitares e novos atores armados e criminosos.
"Houve até utilização de menores em operações encobertas pelas forças de segurança pública. Todos os atores do conflito recorreram a isso", diz Max Yuri, diretor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade de Antioquia.
Os meninos pistoleiros de Pablo Escobar
Nos anos 80, no auge do terror de Pablo Escobar, muitas crianças e adolescentes aram a atuar como pistoleiros.
"No entorno do cartel de Medellín, essa prática ficou conhecida como a dos 'suizos', jovens e menores envolvidos em missões suicidas", recorda Jorge Mantilla, doutor em Criminologia da Universidade de Illinois, em Chicago, nos EUA, e consultor de temas como crime, segurança e conflito colombiano.
Um dos pistoleiros mais emblemáticos foi John Arias Tascón, conhecido como "Pinina", e apontado por investigações jornalísticas como um dos "favoritos" e mais próximos de Escobar.
A Pinina são atribuídos vários crimes de repercussão, como o assassinato do então ministro da Justiça, Rodrigo Lara Bonilla, em 1984, o atentado ao voo Avianca 203, que deixou 110 pessoas mortas em 1989, além de uma série de homicídios de políticos, jornalistas, civis e adversários do cartel.
Pinina morreu em 1990, aos 29 anos, durante uma operação policial em Medellín. Acredita-se que ele tenha começado a atuar como pistoleiro aos 15 anos.
Em 22 de março de 1990, outro menino de apenas 14 anos, chamado Andrés Arturo Gutiérrez Maya, matou a tiros o candidato presidencial Bernardo Jaramillo Ossa, da União Patriótica, no aeroporto El Dorado de Bogotá.
Naquela época, três candidatos de esquerda tinham sido assassinados na Colômbia em um intervalo de um ano.
"Outro caso emblemático foi o de Gerardo Gutiérrez, conhecido como Yerry, outro jovem que acabou sendo apontado como o assassino do candidato presidencial Carlos Pizarro Leongómez, da Aliança Democrática M-19", acrescenta Mantilla.
Inicialmente, Escobar foi culpado, mas o narcotráfico negou sua participação no crime.
Segundo o Centro de Memória História, Yerry foi morto por um dos seguranças de Pizarro, que era membro do extinto Departamento istrativo de Segurança (DAS). Anos mais tarde, o líder do grupo paramilitar Autodefesas Unidas da Colômbia, Carlos Castanho Gil, reconheceu ter treinado o pistoleiro e planejado o assassinato em conluio com setores corruptos do Estado.
O Centro de Memória História reconhece que a Justiça colombiana ainda não esclareceu completamente o crime.
Crianças e adolescentes como arma de guerra
As crianças recrutadas por grupos armados e criminosos geralmente têm uma origem em comum: vêm, em sua maioria, de regiões vulneráveis e de baixa renda, tanto em áreas urbanas quanto em territórios rurais isolados, onde há pouca presença do Estado.
"O recrutamento de menores tem sido impulsionado pelo abandono e exclusão social social de crianças sem proteção, além de brechas legais no sistema jurídico e penal colombiano, no que diz respeito à responsabilização penal de menores", explica Mantilla.
"O sistema penal juvenil é um dos maiores gargalos da Colômbia", acrescenta o especialista.

Há, no entanto, uma diferença importante entre o contexto urbano e o rural.
Enquanto nas cidades os menores entram no crime em busca de ascensão social e econômica, os jovens das áreas rurais são, muitas vezes, recrutados à força por grupos armados, por meio de coerção e ameaças às suas famílias.
"É uma mão de obra barata, fácil de ser substituída. Por sua maleabilidade, muitas vezes são encarregados de atos de terror como esquartejamentos", relata Yuri.
"Nas cidades, também é comum que eles sejam usados no transporte de armas, drogas, venda de narcóticos, cobrança de extorsão, pistolagem e assassinatos", acrescenta.
A Jurisdição Espacial para a Paz (JEP), um órgão de justiça transicional da Colômbia, estima que mais de 18 mil crianças e adolescentes foram recrutados pelas Farc-Ep somente entre 1996 e 2016, ano em que essa guerrilha de esquerda assinou um acordo de paz com o governo colombiano.
Apesar disso, o Estado segue em conflito com outras guerrilhas e grupos armados, como o Exército de Libertação Nacional (ELN), as dissidências das Farc que não aderiram ao acordo, assim como o Exército Gaitanista da Colômbia, conhecido como o "Clã do Golfo", considerado pelo governo como a maior organização criminosa do país.
Isso dificulta medir a real dimensão do fenômeno, embora os números continuem alarmantes e os métodos de recrutamento estejam cada vez mais sofisticados.
Em junho de 2024, a BBC mostrou como grupos armados utilizam plataformas como o TikTok para recrutar crianças em áreas remotas da Colômbia.
O medo diante do aumento dos números

Dos 409 menores recrutados — identificados pela Defensoria da Colômbia —, a maioria (300) é de Cauca.
Essa região é uma das mais problemáticas da Colômbia, sendo um importante polo de cultivo de coca e palco frequente de operações militares.
As outras áreas críticas são Putumayo e Valle del Cauca, onde as condições são similares.
Segundo a Defensoria, o principal recrutador foi a dissidência das Farc, conhecida como Estado Maior Central (EMC), com 135 menores de idade aliciados.
Mantilla diz que alguns dados indicam que o recrutamento forçado pode ter crescido em até 1.200% nos últimos anos, principalmente após a pandemia.
"Sabemos que, na última década, cerca de 13 mil menores foram processados e condenados por esse tipo de delito", disse o pesquisador.
Segundo o jornal El Tiempo, em 2024 foram registrados 1.953 casos de desaparecimento de menores de idade na Colômbia. Desses, mais da metade ainda não foi encontrado.
A informação está baseada em números do Instituto Nacional de Medicina Legal, e uma das hipóteses é que muitos desses desaparecidos foram recrutados à força por grupos armados e criminosos.
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